Neste artigo pretendemos compartilhar um pouco do conhecimento adquirido em nossas aventuras de pesca pela região Centro – Oeste, abordando em específico sobre o rio Cristalino, que consideramos um verdadeiro paraíso da pesca com caiaque, e, ao mesmo tempo, fazer um alerta à comunidade da pesca esportiva uma vez que esse éden está ameaçado e é merecedor de maior atenção por parte das autoridades. A bacia do Araguaia, como um todo, vem sofrendo com a ação antrópica desde a década de 1970 em função do crescimento da fronteira agropecuária, responsável pelo desmatamento desordenado e o consequente assoreamento de seus rios. Nosso Cristalino ainda é um oásis no meio disso tudo, mas está ameaçado a sucumbir com a continuidade das obras de implantação da BR-080.

Afluente mato-grossense do Araguaia, e que não seja confundido com aquele outro rio de mesmo nome, tributário do Teles Pires, o Cristalino é considerado um reduto de vida silvestre e também um “berçário” natural de fauna íctia, de suma importância para a reposição do ecossistema do Médio – Araguaia, faixa que compreende cerca de 1.160 km, desde a cidade de Registro do Araguaia – GO até Conceição do Araguaia – PA. A região destaca-se como um dos mais ricos polos de pesca esportiva do Brasil.

O Rio das Mortes e o Cristalino, principais afluentes do Médio – Araguaia, situam-se em região transitória entre os biomas Cerrado e Floresta Amazônica, um ecótono formado por terras planas e baixas, de altimetria média de 200 m. Para se ter uma noção dessa topografia, basta lembrarmos que na grande enchente de 1980, as águas dos três rios juntaram-se formando uma imensidão alagada. Essa conformação geológica de planície aluvial, Varjões e inúmeros lagos naturais periodicamente inundados pelas cheias, onde o lençol freático superficial é alto e os solos hidromórficos apresentam impedimento de drenagem, torna a região um verdadeiro santuário de biodiversidade.

A ausência de estradas devidamente pavimentadas é um fator que tem favorecido a preservação local, pois implica a impossibilidade de acesso durante boa parte do ano e, consequentemente, a inviabilização da atividade agropecuária. Mesmo assim, a predação é praticada por pescadores profissionais das comunidades ribeirinhas do Araguaia que durante as cheias penetram as matas e os Varjões, navegando pelas vazantes e alcançando os lagos mais distantes em busca de Pintados, Caranhas, Pirarucus e outros mais. Infelizmente, apesar de receberem o auxílio – defeso do governo federal, os caiçaras ainda praticam o extrativismo desmedido como no tempo do Descobrimento, crime que não pode mais ser ignorado pelas autoridades.
De águas calmas e translúcidas como o próprio nome diz, que favorecem a navegação com caiaques e canoas canadenses, o Cristalino é o lugar certo para a prática do sight casting, pois abriga diversas espécies alvos dos amantes da pesca esportiva tais como Tucunarés, Matrinxãs, Cachorras, Traíras, Jacundás e Aruanãs. A temporada de pesca tem início por volta do final de abril, início de maio, dependendo do nível das águas e do estado das estradas de acesso. Destaca-se nesse período a captura de peixes de couro, com iscas vivas, principalmente o Pintado. A pesca esportiva é efetivamente praticada a partir do mês de Julho, quando as águas retornam para o leito e desocupam as matas, isolando os lagos e expondo ao sol as belíssimas praias de areia branca.
Os grandes responsáveis pela fartura de peixes do Cristalino são seus principais afluentes, os rios Água Preta, Forquilha e Piaba. Bem menores, esses dois últimos tributários o acompanham paralelamente indo o Piaba por sua margem direita e o Forquilha à esquerda. Durante o período chuvoso, a inundação das matas fechadas que os cercam cria ambiente favorável à reprodução e ao abrigo dos alevinos contra a predação natural.

Apesar de tudo, esse ecossistema é frágil. O Cristalino atravessa diversos trechos de solo arenoso e desagregado, com mais de 80% de arenito em sua composição, de forma que até mesmo as marolas provocadas pelo tráfego intenso de pequenas embarcações motorizadas já é suficiente para provocar assoreamento com a areia solta de seus barrancos. Isso por si só já poderia ensejar motivo suficiente para a criação de dispositivos legais que limitassem a navegação a embarcações com motores de pequeno porte e/ou motores elétricos o que por si só seria também um fator estratégico e limitador para a pesca predatória.
O mais preocupante no momento é a possibilidade da retomada das obras da BR – 080, rodovia radial brasileira que foi projetada para ligar Brasília ao norte de Mato Grosso com objetivo principal de viabilizar o escoamento da produção agropecuária daquele estado via Ferrovia Norte – Sul. A etapa final dessa obra compreende o trecho entre a cidade de Luiz Alves, no distrito de São Miguel do Araguaia/ GO, e a cidade de Ribeirão Cascalheira/ MT, implicando a construção de pontes sobre o Araguaia, o Cristalino e o Rio das Mortes e abrindo um portal para a antropização desse reduto ecológico descrito nos parágrafos anteriores.

Para nossa alegria, pesquisamos a respeito e descobrimos o Projeto de Lei 661/2015 que tramita no Congresso Nacional com o intuito de criar a Área de Proteção Ambiental – APA Rio – Parque do Araguaia, abrangendo os estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará. Veja na íntegra. A título de esclarecimento, APA é um tipo de unidade de conservação onde é permitida a ocupação humana, que pode ser instituída sem a desapropriação de terras privadas e o desenvolvimento sustentável é a regra que direciona as atividades que nela poderão ser desenvolvidas, ou seja, resume-se quase uma parceria público privada em prol da conservação ambiental e que se adequaria perfeitamente ao perfil da região. Destaque-se na proposta que um dos objetivos da criação da referida APA é “ordenar e estimular o turismo ecológico, a pesca esportiva, as atividades científicas e culturais, bem como as atividades econômicas compatíveis com a conservação ambiental”. Assim, ressaltamos aqui a importância da inclusão da pesca esportiva como atividade estratégica inserida no âmbito da proposta conservacionista que, se implementada for, poderá vir a ser grande ferramenta para o desenvolvimento da pesca esportiva e conservação do rio Cristalino.

Finalizando, amigos, o rio Cristalino é apenas um exemplo entre outros tantos ecossistemas brasileiros que precisam de maior amparo por parte das autoridades de forma a protegê-lo antes que seja tarde. Nosso grande desafio é conciliar o progresso à conservação ambiental e, para tanto, a legislação ambiental brasileira disponibiliza ferramentas desenvolvidas exatamente para minimizar o impacto do progresso com o meio ambiente. Assim, conclamo os pescadores esportivos da comunidade Hobie e a comunidade dos apaixonados pelo rio Cristalino a mobilizarem-se pela causa. Ainda temos tempo.